Chevelle
Ele está sentado
em sua poltrona, que aparenta ser muito velha, possui alguns rasgos na região
do acento, talvez por excesso de uso e velhice. O detetive segura um copo de
uísque em sua mão direita que está apoiada no braço da poltrona, o copo está
quase vazio onde apenas um gole é o suficiente para acabar com a bebida. Virado
para janela o detetive imóvel olha o sol nascer naquela manhã fria em Sampa, ele
olha para seu relógio de pulso no braço esquerdo que aponta sete horas da
manhã.
“Mais um dia, mais um sofrimento...” ele levanta
da poltrona, mata o último gole de uísque e saboreia como se fosse o último de
sua vida. Segue em direção a porta, pega a chave do seu carro pendurada na
parede no corredor da saída do apartamento. O prédio onde mora aparenta ter
mais de cinquenta anos de existência, os corredores possuem papéis de parede
descascados, as portas de seus vizinhos estão riscadas e possuem cores
diferentes, coisa de pessoas insatisfeitas com apenas uma cor padrão.
“Espero que aquela menina chata já tenha ido
primeiro que eu”, a passos largos porém lentos como de um astronauta
andando na lua, caminha até o elevador, no instante que aperta o botão, põe sua
mão esquerda no sobretudo marrom e a menina que ele tanto temia aparece no seu
lado. Ela possui um sorriso torto e os olhos fixos no detetive, seus dentes
estão todos fora do lugar, ela segura em sua mão um pirulito daqueles que
destroem não só os dentes mas o hálito depois de ter acabado. A mão que a
menina segura o pirulito está toda melada de saliva, ele faz uma cara de
repulsa movento minuciosamente seu lábio superior. O uniforme que ela está
usando apresenta algumas manchas amarelas debaixo dos braços, e alguns rasgos
nos ombros, “um dia esse uniforme já foi
branco”. Indignado com aquela cena resolve fazer uma pergunta que
assombrava ainda mais aquele momento, olha para baixo e diz “quantos anos tem
menina?” A voz daquele homem tinha a assustado, como um vulto a menina largou o
pirulito no chão e saiu corrento com sua mochila de costas do lanterna verde - que
não tinha muito a cara dela – a mochila balançava pra lá e pra cá, ela correu
em direção a saída de emergência. “Será
uma viagem longa, estamos no 14° andar.”
O elevador
finalmente chega e encerra o assunto da menina bizarra. As portas se abrem e um
momento feliz passa pela mente do detetive, pois o elevador estava vazio.
Aperta o botão para o subsolo e lembra das conversas chatas que tinha que ouvir
da velha que morava no 16° andar, ele não sabe porque raios aquela mulher
acordava tão cedo e porque tinha um papo tão chato, ele olhava para o ponteiro
do elevador se deslocando para esquerda em sentido decrescente e pensa que não
é possível todos os velhos do prédio terem um papo tão chato, como tantos anos
de vida poderiam refletir em assuntos de culinária, o gato preso na àrvore e a
novela da noite anterior?
O elevador passando por todos os andares, e a sua
mente não consegue mais se concentrar em nada, apenas deseja que não pare em
nenhum andar, se chegar ao térreo sem parar será um feito incrível.
Passa o 2° andar e nada, sua mão direta que cheirava
a uísque estava meia para fora do bolso do sobretudo, os quatro dedos balançavam
em movimentos diferentes,uma clara demonstração de nervosismo, o andar térreo
passa sem interrupções. Ele chega até o subsolo, um feito incrível, mas incomum
de se contar para algum colega de trabalho.
“Não posso acreditar nisso.” A garagem que ficava seu carro tinha a
abertura de saída que dava direto para rua, apenas um portão que não tinha nada
mais e nada menos de dois metros de altura e cinco metros de largura, feito de
metal todo fechado, sendo impossível ver o que acontece lá fora, mas não era
páreo pela astúcia da chuva fria daquela manhã, que escorria para dentro da
garagem. Esse era o único feito de saber como estava o tempo lá fora. “Uma cidade verdadeiramente maluca, quase
agora a menos de cinco minutos eu estava em meu apartamento e apreciava o
nascer do sol, e não imaginaria uma chuva logo agora, talvez seja a hora de
começar a assistir jornal novamente, apenas para ver a previsão do tempo.”
Até que, por
alguns instantes de pensamentos melancólicos, reclamações e murmurações, seu
coração acelera. Ele olha para um fenômeno da natureza que esta ali parado, de
lado para os outros carros, virado para a porta elevador, tinha os traços
perfeitos, é negro e ilumina todo o estacionamento, o detetive com os olhos
arregalados mordeu seus lábios inferiores, como um jovem adolescente prestes a
dar o seu primeiro beijo. Por fora era lindo, um tesão, bastava conhecê-lo por
dentro para se apaixonar, o detetive estava parado ainda perto do elevador,
admirando a beleza daquela bela obra de arte que olhava para ele. Momentos parecia
piscar para o detetive, insinuando um ato erótico e ousado. O detetive pega as
chaves caminha em sua direção com os passos apressados e o abre.
Um belo
Chevrolet Chevelle SS 454 ano1965, preto com duas listras brancas horizontais que
riscavam aquela beleza avassaladora por cima, linhas retas que traçavam aquele
carro são tão rígidas que demonstravam imponência e autoridade perante os
outros carros naquele estacionamento ou até da cidade. Contente e até mais esperançoso
o detetive senta no banco original de couro, liga o carro e o ronco do motor é
agudo e constante, como um monstro que acaba de acordar. Ele sai do
estacionamento e o dia mesmo chuvoso – no qual ele odeia – parece ser mais
feliz e parte para mais um dia de trabalho.
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